segunda-feira, 18 de abril de 2011

Uma crítica ao currículo de História nas escolas estaduais de SP

Uma crítica ao currículo de História nas escolas estaduais de S. Paulo

Por uma professora que prefere não sde identificar.
AVALIAÇÃO DO CURRÍCULO DE HISTÓRIA


Há anos existe uma expectativa, entre os professores de história, de que ocorra uma redução no currículo ou um aumento na carga horária da disciplina. Com a introdução de história da África ficou ainda mais difícil ministrar a matéria, dando conta de toda a história geral, africana e do Brasil. Se nosso objetivo é realizar um trabalho que não seja superficial e que envolva leitura de textos diversificados (também como forma de auxiliar a disciplina de Português) e diferentes interpretações históricas, o currículo dificilmente será cumprido.
Com a adoção dos cadernos do aluno, uma situação já complicada se tornou ainda pior. Havia uma esperança de que houvesse nos cadernos uma redução criteriosa dos conteúdos curriculares. Realizar essa redução seria um trabalho árduo que exigiria uma equipe com amplo conhecimento do aluno da rede; uma equipe que conseguisse vislumbrar o que seria relevante, para o nosso aluno, manter no currículo.
Desnecessário afirmar que os cadernos não cumpriram essa função. Poucos cortes foram feitos, aparentemente aleatórios, e o conteúdo (não a abordagem) seguiu muito similar ao do livro didático. Além desse problema, ocorreu uma severa redução de carga horária, tornando a situação simplesmente desesperadora. Desesperadora porque é impossível realizar as leituras e análises de textos e todas as propostas de atividades que se encontram nos cadernos no pouco tempo que nos restou.
Os alunos apresentam dificuldade de leitura e interpretação; é necessário um estudo do vocabulário do texto e a discussão da idéia principal por parágrafo antes de se discutir o sentido geral do texto. Com relação as atividades dos cadernos, a dificuldade de compreensão é ainda maior em função da inadequação da linguagem à idade e formação do nosso aluno. Os cadernos precisam ser traduzidos. Quando tudo isso termina, há tempo para enriquecer uma aula com um filme ou documentário? Há tempo para participar de algum projeto interdisciplinar da escola?

A título de exemplo, o caderno 2 da 8ª série propõe o seguinte na página 11:

Tempo previsto: 1 aula.
Conteúdo e temas: nazismo, totalitarismo, racismo, xenofobia, ultranacionalismo, militarismo e antissemitismo.

Tenho 31 anos de magistério e me pergunto se algum professor conseguiu realizar seriamente essa atividade com uma turma com uma média de idade de 14 anos. Também me questiono se isso não é fazer uma simplificação da História, se a abordagem não se torna tão superficial que retira da disciplina qualquer sentido. Compreender os processos históricos, inserí-los no seu tempo não é tarefa fácil, mas sempre imaginei que fosse esse nosso objetivo. Caso contrário, corre-se o risco de transformar nosso passado e nossas raízes em um show de variedades sem o menor sentido para o aluno.

Os problemas envolvendo o currículo são ainda mais graves para o aluno do noturno. O material é o mesmo apesar das aulas de menor duração, da oscilação na freqüência e da maior dificuldade de concentração devido ao cansaço do aluno trabalhador. Os cadernos incluem várias propostas para realizações de pesquisas que o aluno do noturno não tem a menor condição de realizar. Levar o aluno à sala de informática poderia ser uma solução mas isso demandaria mais aulas e mais tempo do que o estabelecido na proposta dos cadernos.

É relevante também salientar que há muito pouca interação curricular entre as disciplinas nos cadernos. Por exemplo: Renascimento é abordado em Artes na 1ª série do EM e na 2ª em História. Se a interdisciplinaridade fosse adotada de fato, na certa ganharíamos tempo.
Por último, a questão da abordagem do conteúdo também é importante de ser mencionada. É válido ou necessário se iniciar o estudo da Primeira Guerra Mundial, com alunos da periferia da 8ª série, discutindo-se armamento? É conveniente, tendo-se em vista o que os alunos já presenciam nas favelas, elaborar cartazes sobre as armas para ficarem expostos pela escola? Da mesma forma, pode-se questionar a abordagem escolhida para apresentar o Renascimento aos nossos alunos da 2ª série do EM. Se se pode discutir a produção cultural e os valores oriundos de uma sociedade em que o homem está no centro das atenções, por que optar pela análise comparativa de mapas? O que pode servir de exemplo para um jovem que vive numa sociedade consumista, em que o lucro, a técnica e o “tirar vantagem de tudo” representam a regra?
Talvez, se houvesse um pouquinho mais de confiança no trabalho do professor e no conhecimento que ele tem do alunado com o qual convive diariamente, não estivéssemos nesta situação. A minha sensação é de uma profunda angústia. Deixei de fazer o que fazia bem e aquilo que acreditava para simplesmente correr atrás do tempo. O que não deixa de ser uma ironia para uma professora de história.

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