sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Jânio Quadros, um presidente fracassado

ANÁLISE A RENÚNCIA, 50 ANOS DEPOIS
Jânio queria o poder absoluto, mas fracassou

Presidente acreditava que voltaria ao Planalto com o apoio da população, mas esqueceu de consultar os militares


IMAGINOU QUE RETORNARIA A BRASÍLIA NOS BRAÇOS DO POVO. PURO DELÍRIO. SAIU DE CUMBICA GUIANDO UM DKW

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Jânio Quadros foi eleito presidente com 48% dos votos (na época não havia segundo turno), mas renunciou após sete meses de governo, a 25 de agosto de 1961.
Jogou o país numa grave crise política, que só foi encerrada, duas semanas depois, com a posse do vice-presidente João Goulart, mas com a mudança do regime político, do presidencialismo para o parlamentarismo.
Jânio teve uma carreira meteórica: em sete anos passou de prefeito de São Paulo (1953) a governador (1954) e presidente eleito (1960).
O janismo foi um fenômeno político paulista, produto da transição de uma sociedade de massas para uma sociedade de classes. Nos anos 40 e 50, a grande migração nordestina e mineira alterou profundamente o Estado, tal como a expansão da industrialização e a urbanização.
As maiores greves da década de 50 tiveram São Paulo como palco principal (1953 e 1957). A primeira delas coincidiu com sua eleição para a prefeitura da capital. Jânio apoiou os grevistas. Sabia que tinha de fazer um discurso dirigido aos mais pobres, apoiando as demandas sociais (transporte coletivo, escolas, hospitais) da cidade que mais crescia no mundo.
Ele foi o primeiro político que transformou o combate à corrupção em plataforma eleitoral. Usou como símbolo a vassoura, provavelmente inspirado numa passagem de "O Escândalo do Petróleo e Ferro" de Monteiro Lobato.
Com a vassoura, um gestual histriônico e um português recheado de formas oblíquas, transformava cada comício em um show.
Venceu a eleição para a prefeitura sem base partidária, outra característica sua.
Usou como slogan "o tostão contra o milhão", simbolizando a disputa contra uma poderosa coligação de nove partidos e com muito dinheiro. Repetiu a dose, meses depois, em 1954, derrotando seu arqui-inimigo, Adhemar de Barros, para o governo do Estado. Desta vez cumpriu integralmente o mandato.
Abriu vários inquéritos para apurar supostas irregularidades dos governos anteriores. Insistia na tese de que para ele a política era um enorme sacrifício pessoal e que aguardava ansioso o final do governo para se recolher a vida privada. O sofrimento era pura representação. Em 1958 foi eleito deputado federal pelo Paraná.
Não compareceu a nenhuma sessão do Congresso. Era mais uma característica sua: o desdém pelo Legislativo.
Dois anos depois, representando o mesmo papel -de candidato solitário que recebia apoio de partidos e não como representante de partido- derrotou Teixeira Lott, apoiado pelo presidente Juscelino Kubitschek. Obteve este feito nacionalizando seu discurso. De fenômeno paulista transformou-se em um fenômeno nacional.
Na Presidência esgotou seu potencial renovador. Reforçou suas características mais conservadoras. Não teve problemas com o Congresso: aprovou tudo o que considerava importante. Fez um governo bipolar. Adotou um programa econômico conservador. Desvalorizou a moeda, e a inflação subiu.
Em contrapartida implantou a política externa independente, rompendo com o alinhamento automático com os EUA em plena Guerra Fria, quando a questão cubana estava no auge. Buscou estabelecer uma relação direta com os governos estaduais. Imiscuiu-se em questões da esfera privada: chegou a proibir os biquínis.
Mas o que parecia novo estava carregado do velho golpismo latino-americano. Desejava o poder absoluto. Tentou um golpe de sorte: a renúncia. Isto sem que tivesse ocorrido nenhuma grave crise. De forma abrupta resolveu abandonar a Presidência. Foi uma ação tão intempestiva que até assustou os ministros militares, que não foram consultados e nem tinham um plano para um golpe, apesar de suas simpatias pelo autoritarismo janista.
Imediatamente deslocou-se para São Paulo. Imaginou que retornaria a Brasília nos braços do povo e com amplos poderes. Puro delírio. Saiu da base aérea de Cumbica solitário, guiando um DKW, rumo ao litoral, de onde partiu dias depois para a Inglaterra.
E passou três décadas tentando explicar a renúncia.
O auge do janismo ocorreu no momento de transição da política nacional. Reflexo de uma sociedade em rápida mudança, com vários desafios a serem enfrentados sem que o sistema político possibilitasse respostas eficazes.


MARCO ANTONIO VILLA, historiador, é professor do Depto. de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos

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