terça-feira, 8 de maio de 2012

O Boni da TV GLOBO frequentava sauna com coronéis da ditadura militar

O Boni é malandro, inteligente. Não sei o que falava com os militares"
- Basílio Pinto Moreira, dono do restaurante

No livro “Memórias de uma Guerra Suja”, o ex-delegado da Polícia Civil do Espírito Santo Cláudio Guerra afirma que o restaurante tradicional carioca Angu do Gomes, frequentado por artistas e celebridades, era também ponto de encontro de coronéis linha dura do regime militar no fim dos anos 70 e começo dos anos 80.

Guerra conta: “O restaurante, inaugurado em 1977 pelo português Basílio Pinto Moreira e por João Gomes, era associado a uma sauna e foi fachada para as nossas atividades, misturando agentes da comunidade de informações ... Foram planejados assassinatos comuns e com motivações políticas, e discutimos vários atentados a bomba que tinham como objetivo incriminar a esquerda e dificultar, ou impedir, a redemocratização”.

... Por telefone, Basílio Moreira (82 anos) confirmou que Cláudio Guerra participava de reuniões com coronéis no local. Entre eles, o coronel Freddie Perdigão, do DOI-CODI.

“O Claudinho não saía daqui, rapaz! Vi que ele deu uma entrevista e muitas coisas que disse são verdade ... Tinha o Cláudio, o Freddie Perdigão ... Era uns 10 coronéis. Se reuniam aqui. Nunca me interessei na conversa deles, que era de militar para militar. Então eu me afastava. Não tenho nada que falar deles”, completou.

Sauna e artistas

Anexo ao restaurante funcionava uma sauna com garotas de programa. “Tinha strip-tease, e passou a ser frequentada também por artistas, policiais, militares e figurões da época...”, diz Guerra.

Basílio Moreira confirma e diz que seu irmão, ex-policial federal Augusto Pinto Moreira, era dono. Moreira lembra de alguns nomes famosos que frequentavam a sauna, entre eles o então executivo da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho: “O Boni é malandro, inteligente. Não sei o que falava com os militares", desconversou.

Outros famosos, segundo Guerra e Basílio, eram Jece Valadão, Carlos Imperial, Lúcio Mauro, e Ciro Batelli, ex-vice-presidente da rede de hotéis-cassino Caesar Palace. (Com informações do Ig)

A série de matérias sobre o livro "Memórias de uma guerra Suja", com incineração de corpos de desaparecidos políticos em usina de açúcar, com desaparecidos na Lagoa da Pampulha e outras revelações  está aqui.

Livro questiona a mitificação de Zumbi

Livro questiona a mitificação de Zumbi
Para autores, feriado da Consciência Negra (20/11), celebrado no dia da morte do quilombola, esvazia 13 de Maio
Editora Três Estrelas lança ensaio polêmico sobre como imagem do herói tornou-se ícone de todas as minorias

Edson Silva/Folhapress
Ricardo Alexandre Ferreira (em pé) e Jean Marcel França
Ricardo Alexandre Ferreira (em pé) e Jean Marcel França
PAULO WERNECK
EDITOR DA “ILUSTRÍSSIMA”
A história absolveu Zumbi. Mais que isso, deu-lhe um lugar de destaque no panteão nacional: 315 anos depois da queda de Palmares, aniquilado pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, o herói negro dá nome a tudo, de universidade a banda de rock.
O dia de sua morte, 20 de novembro, é um feriado cada vez mais celebrado -o dia da consciência negra vem contribuindo para o "esvaziamento" do 13 de maio (Abolição) e sua protagonista branca, a princesa Isabel.
Em abril, o Supremo Tribunal Federal referendou as cotas raciais nas universidades, uma vitória inequívoca dos movimentos que têm em Zumbi o seu mártir.
A unanimidade do mito, porém, é bastante recente. E, como mostram os autores do recém-lançado "Três Vezes Zumbi", os historiadores Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira, as feições do herói mudam conforme as conveniências ideológicas de cada geração.
Ao mostrar como uns e outros "construíram" seus próprios Zumbis, eles lançam uma fagulha de provocação às vésperas do 13 de Maio. Ou, como disse Ferreira à Folha, põem "uma pulga atrás da orelha" do leitor dos livros de história, para não comprar o que lê pelo valor de face.
Na tese dos autores, a "canonização" recente do líder quilombola, que o transformou num porta-bandeira dos oprimidos, é uma "construção" histórica. A ausência de dados biográficos sobre um homem cuja existência deixou poucas pistas facilitou a inclusão de capítulos fantasiosos na narrativa.
Mais pop do que nunca na era Lula, Zumbi tem figurino apropriado para o momento político -daí, talvez, o interesse recente em sua figura. "É um outro Brasil que está contando o seu passado, inventando o seu passado", disse França à Folha. "A elite branca tradicional de Higienópolis já inventou o seu passado há muito tempo. Já tem a mitologia."
Como exemplo da conversão de Zumbi em ícone de todo tipo de minorias, França e Teixeira citam a tese de Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, que retratou Zumbi como homossexual.
Esse "anacronismo", escrevem os autores, "faria um historiador como Lucien Febvre revirar no túmulo".
Mott disse à Folha que não teve "o beneficio da dúvida" e que os autores "nem desconstruíram sequer uma das cinco pistas" apresentadas por ele de que Zumbi seria gay. Não há, diz, "nenhuma prova de que o mitológico líder quilombola era heterossexual". O antropólogo diz que França e Teixeira estão "dominados pela ideologia heteronormativa".
ESQUERDA
O elo com a causa gay, mostram eles, vem de uma "construção" mais ampla: no século 20, sua rebeldia vinha a calhar como herói romântico da esquerda. França e Teixeira criticam o messianismo de autores como Décio Freitas e Joel Rufino dos Santos, que fixaram a atual "perspectiva verdadeira" de Zumbi.
Historiadores ligados ao movimento negro também são questionados. França e Teixeira recriminam o endosso de Flávio dos Santos Gomes a passagens fantasiosas escritas por Freitas, baseadas "em supostas cartas que só ele [Freitas] leu", como aquela que descreveria a infância de Zumbi como coroinha.
O líder imantado pela esquerda é o terceiro dos três anunciados no título. Antes dele, vêm o dos séculos 17 e 18, ameaça ao empreendimento colonial português, e o do século 19, providencialmente posto de lado pelos bem-pensantes na construção da identidade nacional.
O mesmo poderia ser feito com outros heróis. Para França, temos fascínio por figuras "desviantes", como Zumbi ou Tiradentes, e relegamos figuras "da ordem", como a princesa Isabel. "Não sabemos fazer uma história da norma."

Provocativo, ensaio mostra construção social do herói negro
JÁ SE FOI O TEMPO EM QUE SE DISTINGUIA "HISTÓRIA" DE "ESTÓRIA", COMO SE A PRIMEIRA FOSSE A VERDADE, E A SEGUNDA, MERA INVENÇÃO
"TRÊS VEZES ZUMBI" PROVOCA O LEITOR, MOSTRANDO COMO O EXERCÍCIO DA HISTÓRIA É SOBRETUDO CONSTRUÇÃO SOCIAL
LILIA MORITZ SCHWARCZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quem conta um conto aumenta um ponto, e quem narra uma história adiciona outra; já se foi o tempo em que se distinguia "história" de "estória", como se a primeira fosse um poço de verdade, e a segunda, mera invenção.
A história é "filha de seu tempo", nas palavras do historiador J. Le Goff, e reconstrói fatos a partir de novas perspectivas em diálogo com seu próprio contexto.
Tendo à frente tal toada, os historiadores Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira enfrentam esse verdadeiro mito nacional chamado Zumbi dos Palmares, no livro "Três Vezes Zumbi".
Mais ainda, mostram como há uma contínua construção desse protagonista, que acabou, na falta de muitos dados a comprovar sua história, servindo a inúmeras versões.
Na literatura colonial, Palmares apareceria como um grupo que lembrava a Antiguidade clássica, e seu líder, um bravo guerreiro. No século 19, uma nova geração de intelectuais veria na sobrevivência do quilombo um empecilho para a trajetória certeira que levava à civilização.
De lá para cá a história seria outra. Nos anos 1970, na ditadura, Palmares seria convertido em modelo socialista de luta de classes, e Zumbi, em "típico" revolucionário.
Mais recentemente o episódio seria reinterpretado à luz da agenda dos movimentos sociais, e o herói viraria "um negro oprimido por conta da raça". Isso para não esquecer de análises atuais que deram uma identidade gay ao personagem.
Para dar conta dessa longa travessia, os dois historiadores perpassam documentos coloniais, textos dos tempos do Império e de inícios do século 20.
Enumerando trabalhos e acentos distintos, os autores chegam até o momento presente, criticando falácias da obra de Décio Freitas ou mesmo interpretações, segundo eles, muito coadunadas com conclusões prévias e carentes de verificação.
Nessa ciranda entram nomes consagrados como Joel Rufino, Ronaldo Vainfas, Flavio Gomes e Pedro Funari.
Sem pretender discutir a oportunidade do balanço, vale questionar, porém, o suposto ineditismo da conduta. Alguns dos historiadores questionados no livro foram os primeiros a denunciar o mesmo processo de construção da memória nacional.
Com o intuito de fazer esse amplo levantamento, muitas vezes os autores do livro jogam o bebê com a água do banho: nivelam pesquisas que trazem novos dados com outras que não passam de obras de divulgação.
Interessante, também, teria sido explorar outras mídias, para além do famoso filme de Cacá Diegues ("Quilombo", 1986). As aparições culturais do líder quilombola podem ser encontradas desde o poema "Zumbi" (1914), do alagoano Jorge de Lima, até "Arena Conta Zumbi" (1965), texto de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, com música de Edu Lobo, que faria época no teatro.
Já na luta contra o regime militar, lembre-se a VAR-Palmares, grupo cuja segunda parte do nome rendia uma homenagem ao herói negro.
Nessa larga circulação de ideias e imagens que vão convertendo Zumbi em símbolo nacional, contam-se ainda a construção do monumento em homenagem ao herói, erguido no Rio em 1986, e o tombamento da serra da Barriga, em novembro de 1985. Essa época, aliás, é também a da explosão dos bailes "black" no Brasil.
Na acelerada reinvenção da simbologia de Zumbi, talvez o último passo fosse explorar a associação do então mito com novas formas de africanidade.
"Três Vezes Zumbi" provoca o leitor, mostrando como o exercício da história é sobretudo construção social.
Como comprovam os autores, não se trata de opor um Zumbi real a outros falsos porque imaginários. Mas também não é o caso de apenas denunciar a operação: Zumbi é já um personagem carregado de sentidos.
Como num caleidoscópio, tudo vai virando matéria para novos desenhos do mito. Nosso herói, faz tempo, já deixou de ser texto para virar pretexto (e dos bons).
LILIA MORITZ SCHWARCZ é historiadora, professora titular da USP e autora de "O Espetáculo das Raças" (Companhia das Letras), entre outros
TRÊS VEZES ZUMBI
AUTORES Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira
EDITORA Três Estrelas
QUANTO R$ 25 (168 págs.)
AVALIAÇÃO bom
Saudações históricas,